Tendências e oportunidades do mercado de Shopping Centers diante dos impactos da COVID-19

Tendências

Por Viviane Moura Rocha Ferreira, Lucca Ritzmann Maman, Luiza Leite Teixeira

 

   O mercado de Shopping Centers está em evolução e crescimento desde sua chegada ao Brasil. Essa indústria tem base no modelo norte-americano e, rapidamente, tornou-se parte da rotina de compra de produtos e serviços dos brasileiros. Isso fez com que, por muito tempo, os Shopping Centers fossem os principais centros de compras de produtos e serviços das capitais, e até de algumas cidades do interior do Brasil, conforme apresentado na Figura 1.

 

Figura 1: Evolução do setor de Shopping Centers

Fonte: Elaborado pelos autores. 

 

   Neste cenário, as mudanças no contexto em virtude da COVID-19 e o rápido desenvolvimento da tecnologia no país e no mundo fizeram com que a relação dos shoppings com seus clientes (consumidores e lojistas) se alterasse drasticamente. O mercado varejista está passando por um momento de disrupção, forçado a atender as novas necessidades de seus clientes e terá de se reinventar para manter seus espaços físicos relevantes em um mercado cada vez mais digital. Em virtude das incertezas geradas por essa disrupção, ainda mais intensificadas pela COVID-19, essa pensata tem como objetivo provocar as seguintes reflexões: “Quais são as tendências e oportunidades que esse cenário traz para o mercado de Shopping Centers?”.     

 

Pesquisa realizada

 

   A fim de desenvolver reflexão a respeito do tema, uma investigação sob a ótica de gestores e lojistas de Shopping Centers foi realizada através de entrevistas em profundidade, essas ocorreram no período entre setembro e outubro de 2020 - no qual medidas de isolamento social começaram a ser flexibilizadas. Essa pesquisa foi conduzida com entrevistas envolvendo especialistas no ramo de shoppings, como CEOs e diretores de redes varejistas, CEOs de fundos imobiliários, Sócios de consultorias para shoppings, CFOs/Gerentes/Diretores de redes de shoppings, CEOs de administradoras de shoppings. Foram entrevistadas 20 pessoas, sendo: 6 executivos de lojas presentes em Shopping Centers, 4 executivos de consultorias especializadas no setor de centros de compra, 6 líderes de administradores de Shopping Centers e 4 Investidores do setor.
    O cenário de mudanças no comportamento do consumidor no mercado de Shopping Centers já estava presente antes mesmo da COVID-19, o que já exigia uma transformação desse setor. Porém, com a pandemia, esse processo foi acelerado, permitindo, de acordo com um dos executivos entrevistados, uma evolução de 6 anos em 6 meses e resultando na criação de oportunidades dentro da indústria. Com base nesse contexto, a análise das entrevistas nos levaram à identificação de três categorias de mudanças no comportamento do consumidor (pré e pós pandemia): ganho de força do canal de vendas online; aumento da busca por conveniência e diversificação dos players envolvidos na jornada de compra, conforme Figura 2.

 

Figura 2: Categorias que explicam as oportunidades no mercado de Shopping Centers
 

Mudanças no comportamento do consumidor (pré e pós pandemia)

 

Em relação às mudanças identificadas no comportamento do consumidor, três grandes ações foram identificadas:

 

   O ganho de força do canal de vendas online é resultado de uma maior adaptação da população brasileira ao ambiente online, seja pela democratização da internet, seja pela necessidade gerada devido à pandemia. A crise acelerou a digitalização e fez o consumidor mudar hábitos. A compra pela internet via aplicativo cresceu mais de 30% somente no primeiro mês de isolamento. Até as pessoas com mais de 50 anos estão se habituando a esse novo normal. A consequência disso foi a aceleração do crescimento da representatividade do e-commerce, que atingiu o marco de 10% das vendas de varejo no Brasil, o que a curva de projeção indicava que demoraria cerca de 5 anos. (MARINHO, 2020)

 

   Para esta categoria foram definidas três propriedades: 1) Origem, que explica qual foi o ponto de partida do ganho de força dos canais de venda online, podendo variar entre uma tendência antiga e algo que começou com a pandemia; 2) Vida útil, que aponta o quão duradouro será esse ganho de força, variando entre algo pontual e algo que será enraizado mesmo após o fim das medidas de isolamento geradas pela COVID-19; 3) Impacto em outros canais, que pode ser traduzido como o quanto a compra física será substituída pela online, podendo variar entre a substituição do canal de compra físico pelo online e a complementação do físico pelo online.

 

   A segunda categoria, aumento das possibilidades de jornadas de compra, é traduzida na mudança da jornada de compra dos consumidores, que agora buscam experiências mais simples, rápidas e que não os façam interromper sua rotina. O resultado disso é visível pelo crescimento de empresas como Rappi, Loggi e Ifood no Brasil, que têm como objetivo oferecer comodidade aos seus clientes. As três propriedades desta categoria são: 1) Origem, que explica qual foi o ponto de partida do ganho de força dos canais de venda online, podendo variar entre uma tendência antiga e algo que começou com a pandemia; 2) Formatos, que abrange as diversas formas de oferecer conveniência ao cliente final, contendo desde modelos nos quais o cliente realiza a compra online e busca o produto fisicamente até modelos 100% digitais; 3) Experiência de compra, que analisa o quanto os clientes estão dispostos a abrir mão da experiência da compra física pela busca por conveniência, variando entre estarem completamente dispostos a abrir mão disso e acreditarem que a experiência de compra física é algo único e insubstituível.

 

Nas palavras de um dos CEOs entrevistados “O consumidor já queria um shopping que fosse um ponto de conveniência, com lazer, entretenimento e todas as lojas em um só lugar. Mas o processo era lento, porque o shopping se relutava em entregar, porque o modelo antigo dava dinheiro e a pressão não era tão grande.”

 

   A diversificação dos players envolvidos na jornada de compra, terceira categoria definida, é consequência da maior disposição dos clientes de Shopping Center para realizar compras em canais “alternativos”, como lojas de rua ou lojas em mídias sociais. As duas propriedades dessa categoria são: 1) Origem, que explica qual foi o ponto de partida do ganho de força dos canais de venda online, podendo variar entre uma tendência antiga e algo que começou com a pandemia; 2) Formas de diferenciação, que analisa as inúmeras formas de se destacar e se diferenciar utilizadas pelos novos players, variando desde estratégias de fidelização até construção de marca. A maior dificuldade dos shoppings vem de antes da crise do Corona Vírus. O setor já estava enfrentando desafios, principalmente por possuir muitos concorrentes. O que se traduzia na existência de mais de um Shopping Center em um raio de 1 quilometro.

 

Oportunidades/Desafios do mercado de Shopping Centers

 

   Como oportunidades e desafios foi possível identificar três principais tendências de mercado: 1) Omnichannel, 2) Infraestrutura e experiência e 3) Relacionamento com os clientes, conforme apresentado a seguir.

 

   A primeira tendência, omnichannel, foi abordada por diferentes especialistas durante as entrevistas. Os entrevistados divergiam quanto a origem do aumento das compras online. Apesar disso, confirmando o que foi consenso dos especialistas, o uso dos canais online se intensificou durante o auge da COVID-19, tanto pelo aumento do número de pessoas que os utilizam, quanto pelo crescimento de frequência. Porém, parte desse crescimento deve ser temporário, especialistas entrevistados pontuaram que a experiência da compra in loco nunca seria totalmente substituída. Portanto, é essencial que os shoppings e varejistas integrem as vantagens dos canais virtual e físico para oferecer uma experiência de compra completa (GUISSONI, 2017). Para isso, algumas opções foram abordadas e analisadas durante o trabalho, como novos papeis das lojas físicas, digitalização dos Shopping Centers e oferecimento de diferentes formatos de compra. O processo de revisão do papel das lojas físicas passa por duas principais mudanças. A primeira é a capacidade das lojas atuarem como um Hub de distribuição de produtos da marca, que servirá para aumentar a capilaridade das redes varejistas e oferecer um portfólio mais completo em todas as lojas. A segunda mudança é o investimento em oferecimento de experiências, já que, segundo os especialistas entrevistados, cada vez mais os consumidores irão buscar novas formas de experiências durante sua jornada de compra. A segunda opção abordada foi a digitalização dos meios de vendas dos Shopping Centers, que tem como principais iniciativas a criação de marketplaces próprios e vendas por meio de mídias sociais (social selling). Ambas foram abordadas durante a pesquisa, na qual os especialistas afirmaram que os Shopping Centers têm de se adaptar para oferecer esses novos canais de vendas. Essa conveniência possibilita o acesso a produtos a qualquer momento do dia, sem necessidade de deslocamento e sem a perda de tempo que isso implica (PEDRO, 2011). Para isso, a integração entre os canais é essencial, permitindo que o consumidor examine o produto em um determinado canal, compre em outro e, retire-o ou devolva-o em outro local (BERMAN; THELEN, 2004). Portanto, é crucial que existam diferentes formatos de compras nos quais os Shopping Centers possam agregar valor a outros níveis do funil de vendas.

 

   A segunda tendência, infraestrutura e experiência, torna-se essencial, a partir do momento em que ir às lojas não é mais uma necessidade, mas sim, uma opção. Com isso, para que os shoppings se mantenham relevantes, é necessário que invistam em diferenciais. Portanto, os shoppings devem apostar em variadas formas de experiência e oferecer diferentes características de infraestrutura para seus clientes, de forma a unir a segurança com um ambiente mais aberto e com elementos naturais. Entre as possibilidades que podem ser oferecidas pelos Shopping Centers estão serviços como salão de beleza, restaurantes, cinemas, academias ou até clínicas médicas. Além de se aproximarem do conceito de one stop shop, que apareceu na pesquisa, os shoppings também podem utilizar os serviços como uma forma de manter seus clientes mais tempo dentro de sua estrutura. Assim, conseguem aumentar as compras e, por consequência, seu ticket médio.

 

   E por fim, a terceira tendência identificada, relacionamento com os clientes. A fim de manter os clientes engajados com a proposta de valor dos Shopping Centers, esses devem criar formas de fidelização. Durante as entrevistas os especialistas do setor afirmaram que mesmo existindo um gap nas formas de reter clientes, esses já tendem a serem fiéis a um Shopping Center específico. Portanto, ao somar o fato de os clientes já serem fiéis, mesmo sem os Shopping Centers atualmente oferecerem programas robustos, com disposição dos clientes de participarem de programas desse tipo, cria-se uma oportunidade no mercado para o desenvolvimento de diferenciais. Alguns players já estão aproveitando esse cenário e oferecendo um sistema de acúmulo de pontos ao atrelar os dados dos clientes às compras. Outra oportunidade que os programas de fidelidade oferecem, e que foi apontada na pesquisa como sendo a nova forma de diferenciação dos Shopping Centers, é a capacidade de eles obterem mais dados sobre seus clientes. Uma vez que esses conseguirão monitorar as compras e atividades realizadas pelos membros dos programas, os shoppings serão capazes de oferecer jornadas de compra personalizadas. Essa personalização pode ter início com divulgações direcionadas em mídias sociais e sua conclusão em uma compra física no Shopping Center. Ademais, além de atrair clientes para os shoppings, os programas podem ser utilizados como forma de manterem um relacionamento com os consumidores sem que esses precisem estar fisicamente nos estabelecimentos.          

           

Conclusões

 

   O cenário da pandemia causada pela COVID-19 adicionou novos desafios ao já complexo setor de Shopping Centers. Foram acelerados os avanços tecnológicos no segmento e as mudanças no comportamento do consumidor, criando um ambiente de mais incerteza em um mercado que passava por mudanças pré-pandemia, apesar de ainda apresentar crescimento. Por meio das pesquisas realizadas, concluiu-se quais são as principais tendências nas quais os Shopping Centers devem investir: 1) Omnichannel, 2) Infraestrutura e experiência e 3) Relacionamento com os clientes. Assim, os shoppings serão capazes de capturar as oportunidades que o cenário da digitalização do varejo e da pandemia da COVID-19 traz para o mercado. Dessa forma, o setor continuará sendo relevante para seus clientes (consumidores e lojistas).

Autores

Viviane Moura Rocha Ferreira (FGV EAESP)

Graduada em Economia pela Universidade de São Paulo (FEA-USP), mestre e doutora em Administração de Empresas pela FGV-EAESP. Professora de Marketing na FGV-EAESP, ESPM, FIA e Saint Paul. Leciona nos cursos de graduação e pós-graduação latu-sensu, ministrando disciplinas de Varejo, Marketing de Serviços, Plano de Marketing, Métricas em Marketing e Business Intelligence.

 viviane.rocha@fgv.br 

 

Lucca Ritzmann Maman (FGV EAESP) 

Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGVEAESP). Experiencia com gestão de projetos e acompanhamento de indicadores financeiros e de planejamento de demanda. Além disso, participou do programa de trainees global da Ambev (GMT) no qual teve a oportunidade de conhecer e realizar projetos em diversas áreas da empresa. Atualmente, especialista de produto, lidera a estratégia de um dos produtos digitais da Ambev, o BeesLink, que tem como objetivo digitalizar a relação das indústrias com os grandes varejistas. 

 luccaritzmann@gmail.com

 

Luiza Leite Teixeira (FGV EAESP)

Graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP).
Experiência na liderança de iniciativas de Marketing, atuando na estruturação do portfólio de categorias, contribuindo com a definição da estratégia e do posicionamento dos produtos do segmento de Confectionary na Nestlé.
Atualmente, como Analista de Pesquisa na Egon Zehnder, é responsável por projetos de Bens de Consumo, Varejo, Digital e Tecnologia.

 luizaleiteteixeira@gmail.com

 

REFERÊNCIAS

 

BERMAN, Barry; THELEN, Shawn; A guide to developing and managing a well-integrated multi-channel retail strategy, International Journal of Retail & Distribution Management, vol.32, n.3, 2004, p.147-156.  

GUISSONI, Leandro. Omnichannel: Uma gestão integrada. GV Executivo, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 24-27, jan/2017.

MARINHO, Luiz Alberto. A crise existencial do varejo e Shopping Centers. MERCADO E CONSUMO, 2020. Disponível em: https://www.mercadoeconsumo.com.br/2020/02/05/a-crise-existencial-do-var.... Acesso em: 27 abr. 2020.

PEDRO, Inês Delgado. Influência do ambiente de compra: estudo comparativo entre lojas físicas e online. Projecto-empresa: Continente Online. Diss. 2011.

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