Olegário Araújo, FGVcev.
Diz a lenda que se colocarmos um sapo em uma panela com água quente ele saltará para fora imediatamente. Entretanto, se o colocarmos em uma panela com água fria e ela se aquecer lentamente, o sapo não perceberá a mudança e morrerá.
Podemos usar essa metáfora para compreendermos as tendências. Há gatilhos que disparam as tendências como por exemplo a economia (empobrecimento da população), tecnologia (proporcionando personalização e conveniência), demografia (envelhecimento da população) e, a urbanização (trânsito caótico e poluição). Essas mudanças não impactam a todos da mesma forma e no geral são graduais. Assim, como o sapo, que é colocado na água fria, o negócio vai perdendo a relevância para as pessoas e morre quando não promove as necessárias mudanças. A pandemia que vivemos está impactando as necessidades das pessoas e promovendo a transformação das expectativas e dos negócios. Estamos dentro de um caldeirão fervendo, e muitos empresários promoveram mudanças em seus negócios “do dia para a noite” para permanecerem relevantes para seus clientes.
Ao longo da sua história, o varejo tem se transformado. Começou oferecendo commodities (produtos vendidos a granel); com a produção em grande escala, se transformou em autosserviço e ampliou a distribuição e acesso; agregou serviços; e já há sinais da era da experiência. Essa breve descrição linear nos ajuda apenas para o entendimento, mas é bom relembrar que temos “vários Brasis”, onde todas essas fases convivem para atender diferentes realidades.
Você pode estar pensando que a experiência sempre existiu e que, de fato, não é novidade e está certíssimo. A grande transformação é que o varejo, além de oferecer produtos, dentro da sua evolução, tem agregado atributos intangíveis como os serviços. Numa primeira fase, muitos agregaram os restaurantes, mais recentemente sommeliers, baristas, assistência farmacêutica...Com a pandemia, muitos varejistas tiveram que introduzir, “da noite para dia”, as vendas online com entrega em domicílio ou retirada na loja. A transformação de muitas empresas foi acelerada para permanecer relevante para o cliente durante e essa integração “on-off” amplia o serviço oferecido. Fomos colocados dentro de um “caldeirão com água quente” e a tendência de digitalização, que já era dada como certa, se acelerou. Com o tempo, esse serviço tende a ficar mais comum entre os varejistas e o diferencial será a experiência personalizada.
Com o COVID-19 é bem provável que muitas pessoas experimentaram pela primeira vez as compras online. Essas novas experiências criarão o que muitos estão denominando do “novo normal”, ou seja, as expectativas dos consumidores com as lojas físicas aumentarão. Porque se de um lado temos o atacarejo com a proposta de economia com foco em preço, por outro, temos o e-commerce que, no geral, tem atraído clientes com preço baixo, conveniência e personalização.
É possível supor que a chamada economia da experiência terá mais importância em um curto espaço de tempo. Com certeza vamos continuar tendo uma diversidade de opções de formatos de lojas e distintas experiências, mas alguns empresários introduzirão um novo valor agregado para não ficar limitado a guerra de preços, que leva a comoditização.
Alguns exemplos de experiência são Stew Leonard’s, Trader Joe’s, Wegmans, Sephora, entre outros tem gerado experiência diferenciadas para os clientes. No Brasil, o Verdemar supermercados conquistou o primeiro lugar em experiência em uma pesquisa conduzida pela KPMG (Customer first. Customer Obsessed – Global Customer experience Excellence report, 2019).

Créditos da Imagem: Divulgação
Mas as tendências apontam que os clientes valorizarão mais o tempo gasto durante as compras e o teatro passa a ser a referência. A expectativas dos clientes vão na direção de dedicar o tempo aproveitando uma série de momentos memoráveis. A loja é um palco, mas o cliente não é um mero expectador e interage, cocriando uma sua experiência personalizada, que causará um impacto mental, sentido e lembrado como ao individual.

O tema experiência esteve presente na NRF 2020 VISION. A frase do CEO da Starbucks, Kevin Johnson sintetiza “O futuro é sobre relacionamentos e não produtos” e da Kate Anchetill, CEO da GDR Creative Intelligence “fazer compras é mais do que comprar” sintetizam o que vem por aí. As lojas mais citadas, que inclusive fizeram parte das visitas técnicas do grupo do FGVcev – Centro de Excelência em Varejo foram Camp (a experiência da família) e Showfields, um novo modelo de negócio com uma ambientação única.
Kate Anchetill, CEO da GDR Creative Intelligence em sua palestra na NRF 2020 destacou alguns pontos sobre o que é proporcionar experiência:
- Simplifique. O cliente não precisa pensar tanto;
- Proporcione leveza à vida dos clientes;
- Faça uma curadoria pessoal;
- Crie atrativos;
- A loja enquanto teatro.
As novas experiências na loja terão muitas formas e caberá cada um conhecer seu público, ter um posicionamento claro de marca, gerar experiências que combinem emoção e razão para proporcionar experiências memoráveis e ter razões claras, além do preço, para o cliente optar pela sua loja no lugar de comprar no atacarejo ou online. A experiência pode estar no campo do entretenimento, da educação, do estético ou do escapismo, conforme definição de Benjamin Hunnicutt e B. Joseph Pine II no livro “The Age of Experiences" Harnessing Happiness to Build a New Economy".
Há várias implicações que passam por reduzir a rotatividade da equipe para proporcionar uma experiência consistente, ter profissionais com competências analíticas para fazer um melhor uso do programa de relacionamento de cliente frequente (programas de fidelidade) para gerar experiências personalizadas e memoráveis e também mudar a forma de negociação com a indústria e um marketing diferenciado.
Futurista demais? Há dois anos, tinha varejista se perguntando se as vendas online “ia pegar” e não se preparou. A economia da experiência poderá fazer parte do “novo normal”, fazendo parte da transformação das lojas. Finalizo lembrando uma frase de Louis Pasteur, “O acaso só favorece a mente preparada” e que essa panela pode se aquecer aos poucos e sua organização poderá constatar que apenas acompanhar os preços da concorrência não será suficiente para ser relevante para o novo consumidor. O tempo como o consumidor/shopper usa seu tempo pode ser a nova moeda.
Especialista em varejo com atuação nos setores de supermercados e drogarias. Formado em administração e mestrado acadêmico na linha de estratégias de marketing pela FGV EAESP, foi diretor de atendimento ao varejo na Nielsen. É Cofundador da Inteligência360, pesquisador do FGVcev - Centro de Excelência em Varejo da FGV EAESP e membro da SCIP – entidade internacional que congrega os profissionais de estratégia e inteligência competitiva.